terça-feira, 16 de novembro de 2010

Escrever, entre a salvação e a perdição





"O terror de escrever pode ser tão insuportável como o de não escrever."
(Gabriel García Márquez)






E então, é possível que escrever seja mesmo essa forma de oração capaz de redimir todos os pecados, restaurar todos os sorrisos, aproximar todos os desafetos, curar todos os dissabores, ligar todos os continentes, acalmar todos os mares, cessar todas as tempestades, amainar todos os ventos, inundar todos os rios, transbordar todos os celeiros.

Sim, escrever é mesmo essa reza singular, capaz de encurtar as distâncias, aproximar os povos, viajar por entre planetas, conhecer galáxias, voar através da imensidão etérea, mergulhar no mais profundo das águas, explorar o centro da Terra, invadir a escuridão das cavernas e manter os olhos abertos diante da perturbadora claridade do Sol.

Escrever é, pois, essa poderosa súplica aos céus, capaz de sarar todas as dores, reavivar as memórias, celebrar os amores, fazer vencer os perdedores, impulsionar vontades, apaziguar corações, aflorar emoções, fazer cumprir juramentos.

Escritores são como magos transitando entre o riso e as lágrimas, o pavor e o desafio, o amor e a traição, a paixão e a saudade, o delírio e a entrega, a comunhão e o tormento, a lealdade e a denúncia, a fuga e a coragem, destruindo ou alimentando paradoxos.

Escritores encarnam, decerto, essa alma criadora de heróis com o poder de viajar em foguetes, saltar de aviões, nadar em alto mar, alcançar os trens, desafiar a velocidade em carros potentes, explorar o desconhecido, mergulhar no inconsciente, enfrentar a consciência e transformar a vida.

Escritores se movem, assim, inspirados por um toque invisível capaz de comandar emoções, transmutar sentimentos, guiar pensamentos, despertar significados, fazer mergulhar no mais profundo da alma em busca do sentido da jornada, da alegria, do entendimento, do confronto com o mundo interior, do encontro com o objeto da busca.

Escritores são, talvez, algum tipo de alma penada, permeável aos dilemas da criação (entre a “inspiração” e a “transpiração”), da disciplina, da forma, da estética das palavras, da pressão interna e externa, do desafio da técnica versus estilo pessoal, do medo do confronto com a crítica, da expectativa de cair no abraço (carinhoso ou de urso?) do leitor.

Escritores vivem, sim, eternizando personagens, materializando imagens, criando paisagens, concretizando enredos, realizando sonhos, questionando realidades, tramando suspenses, evocando desfechos, num caminho entre a magia e a praticidade da vida.

Escritores travam sua luta diária, nesse criar que é arte, conduzindo-se entre o prazer e a dificuldade em lapidar a pedra da palavra – por vezes maleável como pedra sabão, em outras, resistente como um diamante bruto – debatendo-se entre o talento e o trabalho, o contato e a solidão.

Escritores são seres que se movem entre a celebridade e a mortalidade, o Nobel e o comprar-pão-de-manhã-sempre-na-mesma-padaria, entre as vitrines das livrarias e os blogs. Escritores encontram-se na fração de tempo que marca o limite entre a salvação e a perdição.

Imagem: massacrítica

3 comentários:

  1. ...e os músicos tb !!!...rsrsrsr

    adorei, menina !... descrição perfeita desses "pobres menestréis das penas...

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  2. Personagens que vagabundeam entre interminaveis quebra cabeças de dar sentido...

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  3. ...Escritores são cancioneiros sem melodia...Não, estou errado! Têm melodia, sim...Mas outra forma de melodia...Aquela cujo sons mudam conforme a sensibilidade de quem os lêem...

    Muito belo o seu texto...

    Davidovich Morpheus

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