sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

TAPA NA CARA




“Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi mundo então que cresceu”
(Mestre Chico)





Acordei como quem havia sido atropelada por um caminhão.
A imagem no espelho me parecia pura mentira. Eu tinha certeza de que espelhos não refletem a realidade da alma. Eu poderia dizer mil vezes como me sentia ou desenhar rabiscos intensos de como me via e sei que ninguém acreditaria.

Os versos de Sylvia Plath, colados no status do meu facebook, pura máscara, não me pareceram tão pessimistas, pois naquele momento eu encarnava o péssimo, ainda que deixasse todos os “ismos” de lado.

E foi então que saí para o encontro, após teclar por um momento, coisas intensas e sutis ao mesmo tempo, num misto de raiva e prazer, conversas loucas de onde brotavam versos e, naquela manhã, não foi diferente.

não tenho meio
nem começo
o fim é que vai ser
passou...
um avião?
o tempo
a vida
as coisas...
imagine!
sei de mim
coragem...
amigo é quem sabe
de você

Eu jamais fui pontual. Ao cruzar uma rua entre o asfalto e as árvores, abri a bolsa e peguei o celular. Bingo! (ou Pimba!) Era exatamente o horário marcado e eu estava pertinho do local.
Nada mal... E mal peguei o celular ele tocou, apressado em minhas mãos. Menos mal. Estávamos em sintonia, como sempre ocorria...

Retornei do encontro vazia...

Prazeres que não preenchem
O toque do envolvimento... em fuga
Fissuras...
Prazeres trincados, meias metades
Que constrangem a alma... em falta

Entre caminhar e chegar em casa, uma passagem pela biblioteca para retirar as ilustrações de minhas narrativas para crianças, pensando no projeto de contar histórias reais para deficientes visuais no próximo ano. Hilário... Pensar... Em como minha mente ainda reservava lugar para algo concreto e idealista numa manhã como aquela. Numa sexta-feira de um final de semana que não prometia... para mim.

Com as folhas A4 nas mãos, eu pisava forte o chão, e na cabeça pululavam as idéias de como eu insistia em fazer coisas que não queria e me permitia não realizar o que precisava. Aliás permissividade parecia moda, no desfile dos meus trajes mentais naquele momento... E me permitia ser conduzida por desejos alheios, como se um fio invisível e ditador me ligasse a eles.

E no meio do caminho entre o encontro e a casa, esbarrei com ele, o homem-risonho-de-dentes-muito-alvos, uma das pernas cortadas na metade da coxa, capengando em muletas, a camisa branca, semi-aberta, ressaltando o negror da pele, a calça cor de areia dobrada na parte cortada da perna. Foi uma visão surreal, no meio da calçada povoada por outros seres que me passaram despercebidos. Foi como uma cena de filmes com mensagem do tipo “A Vida é Bela”.

E foi o homem negro quem se dirigiu a mim, nos segundos em que nossos olhares se cruzaram.

 - He, He, você!... Mas eu tô muito triste, sofrendo muito! E você? Tá FELIZ, né? – fez ele, dando uma leve passada de olhos em mim.

Acordada do eco de meu poço de pensamentos, surpresa das palavras dele, como se ironicamente lesse minha mente, dentro dos meus jeans-claros-tamanho-38, a blusa branca levemente decotada, cabelos escorregando abaixo dos ombros, sandálias de sola em cortiça combinando com a bolsa – balbuciei algo que nem me lembro, atônita, enquanto ele já olhava para trás.

E o homem murmurou um “Ah!”, despedindo-se com um último olhar brilhante e significativo do tipo “Aprenda a andar com suas próprias pernas”.

Tapa da cara. Uma bofetada em segundos. Sinais... de novo!

Cheguei em casa pensando em montar minhas miniaturas de árvores de Natal. Era uma sexta-feira de dezembro, que, então, prometia...

Afinal...

“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.” (Mestre Vinícius)

Imagem: Google



Um comentário:

  1. Japa adorei...vc é uma escritora , de pura senssibilidade, ta esperando o que?? Ja disse quero boa vida rsss

    bjs e xelus
    Beto

    ResponderExcluir