sábado, 13 de novembro de 2010

À LUZ DE VELAS

















Aconteceu na noite do apagão. Não havia sido um dia fácil para ela, e terminou com a perplexidade gerada pelo blackout que atingiu vários estados do país.



Ela acordara pressionada pela insegurança dos problemas corriqueiros do dia-a-dia, aqueles surgidos na incerteza dos momentos que se sucediam e que a pegavam de surpresa, e os que perduravam costumeiros, deixando resquícios em sua vida nos dias que se seguiam. Enfim, problemas! Problemas comuns a todas as pessoas.


Ela estava mal e continuava mergulhada na ansiedade paralisante relacionada ao seu trabalho, que era também sua maior paixão: escrever. Apesar do dia de sol, ela estava chateada e afetada pelas circunstâncias e atitudes de outras pessoas. Apesar de já haver decidido viver e levar seu humor apesar das pessoas. Recaída básica e momentânea.


Entrou na internet e felizmente em seu papo matinal com um amigo, foi alertada carinhosamente sobre fazer antes o mais importante, ter disciplina, focar em seu trabalho. Um estranho, que olhava para sua vida com a perspectiva de quem vê de fora, lhe sugerindo o que fazer. Como se Alguém lhe mostrasse o caminho.


E essa pessoa lhe deu a notícia de que um amigo em comum praticamente perdera os dois rins e teria de se submeter a hemodiálises ininterruptas talvez pelo resto da vida. Isso colocou seu astral, instantaneamente, para cima... Nada como ver alguém pior para se sentir melhor! Por que ela precisava disso? – perguntou-se.


E refletiu em como era incrível que necessitasse ser alertada por situações-limite para compreender que deveria tomar as rédeas de sua vida, ir em frente, ter coragem, mudar, apesar de...


Ela percebeu como se preocupava com tantas coisas pequenas, como ainda se afetava por elas, e parecia que esperava pelo pior para travar uma grande batalha e vencer. Ainda necessitava da adrenalina máxima, não podia viver sem ansiedade, acostumar-se com a rotina. E encarou de frente o fato de não aceitar que naquele momento tinha as condições exatas para realizar o que precisava, sem atropelos. Seria necessário que algo ruim ocorresse em sua vida para que começasse a AGIR, fazer o que era preciso?


Então, passou o resto do dia tentando cuidar si, apesar da perda de energia que os problemas recorrentes causavam em seu corpo e em seu emocional. Mas aquele dia lhe reservava ainda outros sinais do blackout da noite anterior, para observar em sua caminhada. O apagão fizera com que terminasse o dia à luz de velas, compulsoriamente, tomando chá e lendo um livro sob a fraca claridade de uma vela colada num pires, como era costume sua mãe fazer quando ainda era menina.


Então lhe vieram outras reflexões. Será que precisaria de blackouts ou apagões, da escuridão que poderia se manifestar de diversas formas em sua vida, para que tomasse uma ATITUDE?


Ao mesmo tempo, pensou em como dependia da luz elétrica para tudo e nem tomava a precaução de ter um gerador em casa. Sentiu um gelo por dentro, ao constatar que, no momento do apagão, seu computador tinha sido desligado inadequadamente, com a queda repentina de energia, e isso poderia provocar perdas de dados no HD, que continha todos os seus trabalhos, alguns deles sem backup ainda. E colocou-se diante das questões: de quem ou de que estaria dependendo? Em que mãos estaria colocando sua vida e sua vontade?


Ao ter que acostumar seus olhos ao escuro, durante o apagão – saindo no terraço do cômodo em que trabalhava, tendo que deixar a reunião online da qual participava contra sua vontade, e observando suas cachorrinhas em grande movimento pela falta de luz – deu-se conta de como ainda teria que acostumar os olhos do seu coração, da sua emoção e da sua mente, às trevas que as situações lhe acarretavam. Entendeu que era preciso começar pouco a pouco a enxergar, AGIR, buscar as saídas para as situações, como fizera na noite anterior, indo atrás de uma lanterna ou de velas.


Ela se adaptou aquele momento de escuridão inesperada, iluminada por velas, entendendo que aquilo era o que poderia fazer naquelas circunstâncias. Aceitar o que não poderia mudar. Não havia nada que pudesse fazer para que a luz elétrica retornasse. A energia elétrica foi restaurada bem mais tarde, quando já era madrugada e ela nem viu, pois já adormecera. A luz retornou apenas quando o problema foi resolvido. E não dependia dela. A escuridão terminou apenas no momento em que teria que terminar.


Ela encerrou sua noite à luz de velas, compreendendo que não importava o que acontecesse, sempre haveria saídas, sempre lhe seriam mostradas soluções para as piores crises. Sempre haveria luz... – apesar da escuridão, bastava que acostumasse seus olhos, enxergasse e continuasse a caminhar, à espera do momento certo para fazer a sua parte – mesmo que fosse uma tênue luz de velas...

imagem: poemaseavessos

Um comentário:

  1. mmmmm....é esse trabalho de formiguinha,com aceitação ,inspiração e intuição que devemos todos os dias e diante de todas as situações de tribulação proceder...!!!obrigada pelo texto...:)

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