domingo, 8 de maio de 2011

Uma MÃE sem filhos





E quando ela chegou em casa... o vazio se fez.
Os filhos lhe tinham sido tirados.
Doía como se cada membro de seu corpo lhe fosse arrancado lentamente.
Doía como se lhe bebessem o sangue.

O cansaço de um dia inteiro de trabalho, os braços estirados pelo peso da sacola das compras não lhe eram mais motivos de dor.
A dor da perda dos filhos superava todas elas. Como desespero de morte.
Os filhos eram cinco. O pai e a avó, alcoólatras. Ela era o arrimo. Ela trabalhava.
Ela era o sustento dos filhos. Ela, a mãe.
As crianças ficavam em casa com a avó e suas garrafas de pinga.
O serviço de Assistência Social visitou a família.
O Conselho da Criança e do Adolescente opinou.
O Conselho Tutelar deu o parecer.
O juiz decidiu.
Ninguém perguntou às crianças se queriam.
Ninguém reuniu a família para discutir o assunto.
Ninguém pensou em indicar um tratamento para o alcoolismo do pai e da avó.
Ninguém pensou na dor da mãe.

Aconteceu naquela tarde quente, enquanto a mãe fazia faxina numa das muitas casas...
Depois que a mãe extenuada passou no supermercado para levar a “mistura” para o jantar, o vazio se fez.
Os filhos lhe foram roubados. No calor da tarde. Sem aviso ou despedida.
Restou o vazio das camas, o oco das louças na pia.
Ficou o imenso espaço entre a porta de entrada e a parede do fundo, rabiscada com desenhos de criança.
Na pele doía uma dor dilacerante, sem metáforas, sem anestesia, sem remédio, sem cura.

 Os filhos eram cinco, como eram cinco os dedos de cada uma de suas mãos.
Mãos vazias do afago, mães vazias do toque nos cabelos de cada filho, mãos vazias da textura da pele de crianças no banho.
Cada um dos cinco filhos doía de forma diferente, como se cada dedo de sua mão lhe fosse extirpado.

E a mãe relembrava cada filho, com quem rememora uma vida inteira. A mãe tinha então cinco vidas. E cinco vidas lhe foram tiradas. “Para o bem das crianças”, lhe disseram.
E quem pensava no bem da mãe? A mãe sentia como se sua própria vida lhe tivesse sido sugada.
A cabeça da mãe estava vazia. Oca, como coco furado. Vazia das vozes das crianças. Vazia dos gritos de “manhê”. Vazia do barulho de água cristalina nos gritinhos da menina pequena.
Diante dos olhos da mãe desfilavam fantasmas dos filhos enquanto a tarde caía.

 A mãe sentada no degrau da porta da cozinha, entregue ao vazio da perda.
Por mais que a mãe tentasse não pensar, a mente da mãe insistia em narrar cinco histórias, em cenas de risos, em cenas de choro, em cenas de vida.
Vidas que tinham sido arrancadas em vida da vida da mãe.
As cenas coloriam o menino mais velho de oito anos mostrando o desenho que fizera de sua mãe, o retrato em giz de cera da mãe em frente a uma casa grande e bonita, com os cinco filhos ao seu lado. As cenas insistiam em se materializar como num filme: o menino de seis anos, trazendo uma pequenina flor da encosta da casa, “essa é só pra você, mãe”.
As lágrimas da mãe brotavam dos olhos como se pudessem lavar a dor.

 Mas as cenas não iam embora da tela da mente da mãe.
Então, a seguir, era a menina de cinco anos pedindo que a mãe prendesse seus cabelos negros e compridos que terminavam em cachos, com uma fita de cetim azul, com a qual a professora da escolinha a tinha presenteado. E como num trailler, vinha a cena seguinte: a menina de quatro anos com medo do escuro, pedindo à mãe para dormir ao seu lado na cama.

 E então, como num longo e torturante documentário, a mãe repassava a história toda dos três anos de vida da filhinha pequena, de olhos grandes como jabuticabas, linda com seus traços de ancestrais índios. A mesma menina que nascera prematuramente e, a respeito de quem, na Santa Casa da cidade, ao dar alta à mãe, o médico tentara brincar de profeta, dizendo: “Essa menina não vai vingar.” A pequena nascera aos seis meses da gravidez e a mãe a levara para a casa cinco dias após dar à luz, num leito do SUS. As contrações começaram após um longo dia de trabalho e cansaço. E a menina resistiu, após algumas horas num berço aquecido. Sequer havia outros recursos no hospital. A mãe e a vida desafiaram o prognóstico do médico. A menina, com três aninhos, era doce, risonha e rechonchuda, quando a levaram. A mãe ainda não sabia, mas jamais voltaria a avistar aqueles olhos.

 O pai assinou o pedido de adoção das duas meninas menores, quando as cinco crianças ainda estavam sob os cuidados da Casa da Criança, de onde o menino maior fugiu e foi ter com a mãe. Ninguém apareceu para resgatá-lo novamente.
Um casal de filhos foi entregue a uma irmã da mãe que morava em outra cidade.
Os anos se passaram e a dor da mãe nunca teve cura. Mas quem se importava com a dor da mãe?

 O filho maior, que cresceu sob seus cuidados, acabou preso, mal completou dezoito anos.
Os dois filhos que estavam com a irmã da mãe, voltaram ao seu convívio alguns anos depois. Ainda adolescente, a menina já é mãe de duas crianças e o menino tem o dom de desenhar muito bem. Sonha com um bom trabalho. Que nunca chega.
Uma das filhas menores foi adotada por um casal que acabou por se separar. Já moça, ela trabalha e cursa uma faculdade e hoje, finge não conhecer a mãe biológica.
Da menina mais nova, nunca mais a mãe teve notícias.
 
E a vida da mãe continua, na luta por uma vida melhor para os filhos (e agora, os netos) que permanecem com ela.
Um sonho que ainda não teve a felicidade de realizar.
Mas, a esperança nunca morre, nos olhos da mãe, cujo sorriso denuncia as rugas.

FELIZ DIA DAS MÃES 2011!

Imagens: Google


DEUS É FIEL


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