domingo, 29 de maio de 2011

PRINCESA












 
Entre a mata e o prédio da antiga tecelagem onde trabalhávamos com
Cultura, seria apenas mais uma manhã de intensa atividade ao som das aulas de música, no movimento dos passos de dança e na intensidade das interpretações dos ensaios do núcleo de teatro, não fosse a cena visível na entrada dos imensos salões, antes ocupados por teares e então abrigando exposições de arte, performances de dança e peças teatrais.

Um pouco além da imensa chaminé, avistamos os quatro pequenos cães, filhotes cobertos de sarna. Como chefe na divisão de Cultura, o fato chegou-me. Que fazer? Telefonei a uma veterinária que sugeriu sacrificarmos os quatro animaizinhos. Saída fácil e higiênica, não?

SACRIFICAR OU ACOLHER?

Porém, minha consciência era outra e desafiar era o propósito. Mas quem ficaria com quatro filhotes de vira-latas, cobertos de sarna, numa manhã aparentemente despreocupada? Eu gostava de me complicar, para mim era como fazer arte. Enquanto eu pensava, dois dos cãezinhos foram levados. Sobrou o casal mais adoecido. Então, decidi que cuidaríamos deles ali mesmo, no local de trabalho. Foi uma ventania, todos ajudando, compramos os remédios, ração, leite, e começamos o mutirão: dar banho, passar a loção anti-sarna, alimentar, cuidar, brincar, dar carinho aos dois sarnentos.

Os banhos dávamos num local atrás da grande cozinha azulejada, onde havia um antigo tanque de lavar roupas. O minúsculo banheiro quase sem utilidade, ao lado das salas do prédio da administração, foi destinado a abrigar os cãezinhos à noite. E então produzimos a parafernália de jornais e paninhos para cobrir o chão e aquecê-los. E, de manhã, novo mutirão e limpeza do local. Tudo observado por alguns olhos de repreensão, expressos em vozes veladas. 

Nos finais de semana, quando o ambiente de trabalho ficava fechado, eu e uma das queridas funcionárias nos revezávamos para os cuidados e atenção ao casal de cãezinhos órfãos.

ATITUDE

Durante a semana, os cães já livres da sarna e com os pelos em crescimento, brincavam nas áreas livres daquele imenso paraíso rodeado de verde. Durante o intervalo das aulas de ginástica olímpica, as meninas saíam da sala e iam brincar com os pequenos animais, cada vez mais vivos. Numa manhã, alguém se apaixonou pelo cãozinho macho e o levou. Restou-nos a pequena fêmea, que não era o protótipo da beleza, mas tinha a determinação marcada nos pelos negros e mais brilhantes a cada dia.

Resolvemos manter ali nossa mascote. E lhe demos o nome de Princesa, nada mais justo. Comprei uma coleira e uma caminha, ambas vermelhas, e durante o dia ela permanecia em minha sala, por vezes dando mordidinhas nas canelas das pessoas a quem eu recebia para alguma reunião de trabalho. O fato foi considerado indigno e um vereador mencionou na tribuna da Câmara que eu estava transformando a Brasital – nosso local de trabalho – em um canil. 

Com o tempo, Princesa cresceu e tivemos que encontrar um lar de adoçãom onde a cachorrinha foi definitivamente.
Mas, nunca me arrependi da atitude de acolher os pequenos sarnentos. Além de alimentar minha alma de ser vivente nessa Mãe Terra, acredito ter sido um exemplo para as crianças que presenciaram todo o movimento.

PRINCESA e seu irmãozinho, salvos do abandono


Imagens: Sílvia Mello


DEUS É FIEL





2 comentários:

  1. Eu adotei uma sarnenta perdida na brasital...não acredito que seja dessa ninhada, ela parece uma "salsicha".
    Hoje ela está perto de completar dez anos.
    Bom seria se certos vereadores possuíssem um pouquinho que fosse,do instinto de proteção que é tão peculiar nos cães.

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  2. Tina... pode ser... elas eram mesmo compridinhas... que bom se fosse... bjs

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