domingo, 11 de setembro de 2011

Melhor do que comprar sapatos












A manhã se entregava promissora só porque era domingo.
Sair às ruas seria natural. E eu fui levada pelas duas pequenas poudles.
Na volta do passeio, percorri as antigas e estreitas ruas do centro, de volta à casa.

E na sombra do outro lado da rua, lá estava ele, cabelos muito curtos, óculos finos, nem alto nem baixo, nem moço nem velho, mais magro do que gordo.
Um homem diante da vitrine de calçados femininos.
A cena era no mínimo interessante, o vidro espelhava sua imagem, enquanto eu diminuía meus passos, esperando que as cachorrinhas cheirassem cada centímetro das pedras do chão. E eu estivesse livre para soltar meu espírito repórter e investigar.

O que levaria um homem, numa rua semi-deserta, na manhã de domingo a espreitar tão divinamente a vitrine de sapatos de mulher, ainda que a loja estivesse fechada?

E observei atentamente, por trás dos ombros do homem, seu olhar percorrendo as inúmeras opções. Desde as sapatilhas coloridas com laços e modelos abertos na ponta, subindo para os modelos de sapatos fechados com plataforma, e os de saltos médios, elegantes, até o alto da vitrine onde figuravam os modelos com saltos muito altos e plataformas à drag queen. 

Ele se entregava embevecido à admiração por cada modelo, minuciosamente.
E eu me lançava no redemoinho da imaginação. Estaria ele escolhendo um presente para sua mãe? Hummm não! Os modelos o seduziam... Talvez para sua esposa, namorada, amante?
Se eu contasse a alguém mais malicioso cogitaria que era um fetiche por pés ou ele estava escolhendo um modelo feminino, secretamente, para si mesmo. 

A aura de mistério crescia. Eu poderia simplesmente atravessar a rua e oferecer ajuda, perguntar para quem era o presente.
Mas meu espírito detetive me manteve à distância.
Tanto que ele seguiu seu caminho, não sem antes dar uma última olhada à profusão de sapatos ao estilo Cinderela - apenas um pé de cada modelo, e certamente, imaginar a beleza de um corpo feminino conduzido por eles.

Enquanto o homem subia a rua, em direção à praça, diminuindo de tamanho a cada passo, eu me encaminhava à esquina e a dobrava no exato momento em que ele desaparecia de minha visão, no topo do calçadão. 

O homem seguiu sem me revelar seu mistério, mas observá-lo em sua devoção diante da vitrine de calçados femininos foi, naquele momento, melhor do que comprar sapatos.
Nem sempre o que se revela é melhor do que a aventura de imaginar o que seria... 


Imagem em dicafeminina

Twitter: http://twitter.com/#!/SilviaMello23

DEUS É FIEL



Um comentário:

  1. Adorei este seu texto.
    Para desvendar o mistério das suas palavras, voltarei sempre.

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